“A economia é um jogo de escolhas sob restrições. Ignorar as restrições não torna as escolhas melhores.” Thomas Sowell
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Cenário Local
O mês de julho contou com uma série de eventos relevantes no Brasil, que impactaram o ambiente político-econômico, a confiança institucional e, por consequência, a percepção de risco nos mercados. Apresentamos a seguir uma análise clara, sem juízo de valor, com foco na implicação desses acontecimentos para a economia e rentabilidade dos investimentos.
No campo institucional e jurídico, o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, anulou na íntegra todos os atos da Lava Jato contra o doleiro Alberto Youssef, decisão oficializada em 15 de julho de 2025 sob o entendimento de que houve conluio entre os investigadores, ex-juiz Sergio Moro, Ministério Público e a Polícia Federal, comprometendo garantias fundamentais. A decisão fortalece a discussão sobre segurança jurídica e possíveis reverberações para outros processos, já que já surgem pedidos semelhantes — como o ex-governador Sérgio Cabral — invocando os mesmos argumentos.
Em paralelo, o setor fiscal voltou a ser tema central. A dívida pública bruta atingiu 76,6% do PIB em junho, conforme dados do Banco Central, refletindo incremento de 0,5 ponto percentual em relação ao mês anterior. O déficit primário do setor público consolidado totalizou R$ 47,1 bilhões, acima do previsto, elevando a percepção de fragilidade fiscal. A necessidade de R$ 86,3 bilhões em receitas extras já em 2026, mesmo após a elevação recente do IOF, reforça o cenário de aperto para contas públicas.
Esse contexto ampliou a relevância das discussões sobre a reforma tributária. O relatório aprovado prevê elevação da faixa de isenção do IR para até R$ 7.350 e manutenção de alíquota de 10% sobre dividendos para rendas acima de R$ 1,2 milhão/ano, medida que busca maior justiça fiscal sem onerar demasiadamente investidores institucionais. Entretanto, a efetividade dependerá de eficiência na gestão pública e contenção de evasões fiscais — pontos destacados por gestores como Eduardo Paes e Eduardo Leite.
No plano legislativo, o Supremo também confirmou o restabelecimento do decreto que elevou o IOF para operações de câmbio e cartões internacionais, com efeitos retroativos desde 27 de junho. Apenas a cobrança sobre “risco sacado” foi revogada. O impacto fiscal estimado soma até R$ 12 bilhões em 2025, reforçando a centralidade do Judiciário na regulação econômica relevante.
A crise do INSS ganhou destaque nacional. A descoberta de fraudes levou à demissão do ministério responsável e à abertura de um crédito extraordinário de R$ 3,3 bilhões para ressarcir aposentados. Essa situação provocou a instalação de uma CPMI no Congresso, com foco nas falhas de controle e governança do sistema previdenciário — tema que deve dominar o debate público nos próximos meses.
No setor externo, os Estados Unidos anunciaram um aumento da tarifa sobre produtos brasileiros para 50%, válida a partir de meados de agosto. Embora prevista alta sobre 35,9% das exportações por valor — incluindo café, carne, frutas e itens industriais — houve exceções para cerca de 700 produtos, correspondentes a aproximadamente 45% da pauta de exportação do Brasil. Estão fora da taxação setores como aviação civil (Embraer), energia, fertilizantes, minérios, suco de laranja e ouro. Essa dinâmica reduz os efeitos menos favoráveis, apesar da retórica protecionista.
Somado a isso, os Estados Unidos aplicaram sanções ao ministro Alexandre de Moraes via Lei Magnitsky, suspendendo seus ativos e restringindo vistos e crédito em instituições americanas. Essa ação ampliou a tensão diplomática e reforçou o papel do Judiciário no cenário geopolítico.
Com relação à política monetária, o Banco Central manteve a taxa Selic em 15% ao ano, consolída após mais um ajuste no Copom. A decisão era amplamente esperada e busca assegurar controle inflacionário diante da escalada da dívida pública e dos desequilíbrios fiscais. Ainda assim, setores como varejo e construção civil surgem como possíveis beneficiários em um eventual ciclo de flexibilização, condicionada à clara demonstração de compromisso com reformas e ajuste estrutural.
Em síntese, o mês de julho acelerou o escrutínio sobre os pilares institucionais e fiscais do país. O impacto sobre a confiança dos agentes ficou evidente, ao passo que a volatilidade política e o ruído legislativo testam a resiliência dos mercados. No entanto, a economia segue com fundamentos sólidos em diversos setores, e a clareza de um plano fiscal sustentado e previsível continua sendo o fator decisivo para a percepção de estabilidade e continuidade nos investimentos.
Seguimos monitorando os desdobramentos da CPMI, a tramitação da reforma tributária e a capacidade fiscal do governo de atender às expectativas sem comprometer a governança.
Cenário Internacional
Julho encerrou-se como um mês emblemático para a reconfiguração das relações comerciais, institucionais e geopolíticas globais. A dinâmica dos mercados financeiros internacionais foi amplamente influenciada por decisões estratégicas dos Estados Unidos, indicadores de desaceleração econômica na China e movimentos diplomáticos dos BRICS, tudo isso em meio a um ambiente de inflação persistente e crescente regulação sobre tecnologias emergentes. O investidor global de hoje se depara não apenas com oscilações pontuais, mas com a construção de um novo arcabouço de riscos e oportunidades.
Nos Estados Unidos, o presidente Donald Trump reintroduziu com força sua doutrina de protecionismo comercial ao assinar um pacote tarifário que impõe sobretaxas de até 50% sobre produtos de 68 países, entre eles parceiros estratégicos da Ásia, Europa e América Latina. Para países alinhados às políticas dos BRICS, foi acrescida uma tarifa adicional de 10%, evidenciando um reposicionamento do país no tabuleiro geopolítico global. A medida, embora prorrogada para entrar em vigor a partir de 7 de agosto, já causou forte impacto nos mercados acionários globais, sobretudo nas bolsas europeias e asiáticas, refletindo a reprecificação do risco de cadeia produtiva.
Esse movimento tarifário tem gerado preocupação adicional com a inflação americana. A ata mais recente do Federal Reserve revelou divisão interna entre seus membros, com parte do comitê temendo que o novo pacote de tarifas pressione os preços de bens de consumo e reabra um ciclo inflacionário. As vendas no varejo continuam modestas, mas os custos repassados pela indústria já sinalizam um desafio para a trajetória futura da taxa de juros. A inflação voltou a acelerar levemente em junho, deixando o Fed em um dilema: entre preservar o crescimento ou proteger o poder de compra, enquanto os yields de Treasuries operam sob ajustes sutis, mas voláteis.
Do outro lado do Pacífico, a atividade industrial da China encolheu novamente, com o PMI industrial da S&P Global recuando a 49,5 pontos em julho, abaixo da linha de expansão. O declínio é reflexo direto da queda nas exportações, impactadas tanto pela desaceleração global quanto pelas tarifas americanas. A China, que nos últimos meses tentou impulsionar seu setor imobiliário e flexibilizou compulsórios bancários, agora enfrenta uma desaceleração persistente, com efeitos colaterais sobre parceiros comerciais e preços de commodities industriais.
Nesse contexto de fricção entre potências, os BRICS voltaram à cena internacional com uma proposta contundente de reforma do FMI, exigindo a revisão das cotas de votação com base no peso econômico real das economias emergentes. O bloco, cada vez mais vocal, busca maior influência nas instituições multilaterais e maior autonomia financeira — movimento visto por Washington como ameaça à ordem monetária vigente. Como resposta indireta, Trump reforçou que países próximos às diretrizes dos BRICS seriam tratados com desconfiança e, agora, tarifas.
A Europa, por sua vez, movimentou-se em outra frente: a regulação da inteligência artificial. Entrou em vigor, no início de agosto, a primeira legislação mundial sobre IA — a AI Act — que exige maior transparência, rastreabilidade e segurança nos modelos desenvolvidos, incluindo sistemas como o ChatGPT. Para grandes empresas de tecnologia, o movimento representa uma mudança estrutural de compliance e desenvolvimento, influenciando o valuation futuro de players como Apple e Microsoft. A Apple, inclusive, já anunciou planos de reforçar sua posição no segmento por meio de fusões e aquisições estratégicas.
Ainda sob o pano de fundo global, o conflito entre Rússia e Ucrânia manteve-se congelado em termos diplomáticos. Vladimir Putin reafirmou que a paz só será possível sob as condições russas — entre elas, a renúncia da Ucrânia à OTAN e a cessão de território, o que mantém a instabilidade no leste europeu. Ao mesmo tempo, países como Portugal ensaiam reconhecer o Estado Palestino, inserindo-se em debates mais amplos sobre reequilíbrio de poder no Oriente Médio.
Por fim, especialistas e think tanks internacionais começaram a discutir com maior frequência o que têm chamado de “crise silenciosa do dólar”. Embora ainda indiscutivelmente a moeda hegemônica global, os crescentes déficits fiscais dos EUA, a postura intervencionista via tarifas e a ascensão de alternativas financeiras via BRICS levantam questionamentos sobre a sustentabilidade desse domínio nos próximos anos. A busca por diversificação monetária e institucional entre os países emergentes pode acelerar um processo de realinhamento gradual, mas com consequências de longo prazo para alocação global.
Em conclusão, julho não foi apenas um mês volátil — foi um divisor de águas. O reposicionamento estratégico dos Estados Unidos, a desaceleração da China e a mobilização dos BRICS desenham um novo paradigma geopolítico e financeiro. Para investidores globais, o desafio passa a ser não apenas navegar a volatilidade tática de curto prazo, mas reavaliar o cenário estrutural em que decisões de alocação serão tomadas daqui em diante. Estar posicionado em ativos globais não é mais apenas uma forma de diversificação — é uma estratégia de sobrevivência e crescimento em um mundo em reconstrução.
Principais estratégias
1. Diversificação Geográfica e Setorial como Pilar Estrutural
A elevação da dívida pública, o déficit acima do esperado e a instabilidade institucional reforçam o papel da diversificação internacional como ferramenta de blindagem. A exposição a ativos fora do Brasil protege o patrimônio contra riscos locais e amplia as possibilidades de retorno em diferentes ciclos econômicos e políticos. ultipolar e volátil.
2. Commodities e Cadeias Estratégicas de Valor
Mesmo com potencial exportador relevante, o Brasil ainda depende de estabilidade regulatória e previsibilidade fiscal para atrair capital produtivo. Sem reformas estruturantes, o país continuará vulnerável a ciclos de preço das commodities e perderá relevância nas cadeias globais mais tecnológicas e sofisticadas.
3. Renda Fixa: Seletividade e Tática de Duration
Com o fechamento parcial da curva de juros e a fragilidade fiscal em destaque, o momento exige foco em ativos IPCA+ de duration controlada e títulos pós-fixados com boa liquidez. A seletividade se impõe: nem todo crédito carrega o mesmo risco, especialmente com aumento de inadimplência e quebras no setor agro.
4. Política Monetária Global e Sensibilidade de Ativos
As decisões do Banco Central brasileiro estão cada vez mais condicionadas ao ambiente fiscal e político. A manutenção da Selic reflete cautela diante de incertezas domésticas. Ativos locais reagem de forma mais abrupta a ruídos institucionais, e a gestão de risco precisa ser mais ativa do que nunca.
5. Estratégias de Proteção Cambial e Ativos em Moeda Forte
Dada a volatilidade cambial e os riscos locais — como a reforma tributária e o aumento do IOF —, manter parte do patrimônio em moeda forte deixou de ser estratégia tática e passou a ser fundamento permanente. O dólar serve como proteção contra choques políticos e deterioração fiscal interna.
6. Tecnologia, IA e Reconfiguração de Valor
O Brasil ainda é espectador nesse ciclo de inovação global. A ausência de um plano nacional de digitalização limita o acesso do investidor local a esse vetor de crescimento. A melhor forma de participar da revolução da IA segue sendo via ativos internacionais, expostos a empresas que lideram essa transformação.
7. Ouro Consolidado como Ativo de Proteção
Num cenário de déficits elevados, questionamentos sobre arcabouço fiscal e fraudes em instituições públicas, o ouro ressurge como proteção natural. Seu comportamento anticíclico o torna relevante em carteiras conservadoras, especialmente quando o cenário doméstico mistura incerteza política e fragilidade fiscal.
8. Monitoramento Geopolítico: Petróleo, Cibersegurança e Instabilidade
A instabilidade política e o aumento da judicialização das decisões econômicas colocam o Brasil em um ambiente de alta incerteza. A quebra de empresas, o avanço da CPMI e decisões controversas no STF podem gerar impactos estruturais. Monitorar o risco institucional é tão importante quanto observar variáveis macroeconômicas.