“No curto prazo, o mercado é uma máquina de votar; no longo prazo, é uma balança.” – Benjamin Graham


Cenário Local
O mês de março foi marcado por uma crescente sensação de desconforto no ambiente doméstico. A economia brasileira, embora resiliente em alguns indicadores, vem apresentando sinais de enfraquecimento diante do agravamento do quadro fiscal, do aumento da incerteza política e de um ambiente de negócios cada vez mais pressionado por intervenções e mudanças regulatórias. Essa combinação exige cautela e reavaliação das estratégias de alocação.
O ponto mais sensível no momento é o fiscal. A carga tributária brasileira atingiu 32,3% do PIB em 2024, o maior patamar em 15 anos, impulsionada por medidas de recomposição de receitas e alterações promovidas na Emenda Constitucional nº 132/2023, que instituiu a nova reforma tributária. Embora a promessa de simplificação do sistema tenha sido amplamente divulgada, o efeito prático inicial foi uma complexidade ainda maior e o aumento da alíquota estimada do novo IVA para 28%, colocando o Brasil no topo do ranking global de tributação sobre consumo. A inclusão das carnes na cesta básica com alíquota zero e o tratamento diferenciado para uma série de produtos ampliaram distorções e elevaram as projeções de arrecadação de forma regressiva.
Enquanto isso, o Tesouro Nacional divulgou que a dívida pública federal atingiu R$ 7,49 trilhões em fevereiro, com alta de 3,3% em relação ao mês anterior. O custo médio da dívida mobiliária interna também subiu, de 11,40% para 11,57% ao ano, reflexo do ambiente de juros elevados e da percepção de risco crescente. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem reiterado o compromisso com o equilíbrio fiscal, mas os sinais práticos ainda são frágeis diante da dificuldade política de implementar cortes de gastos estruturais.
No mercado de crédito, o episódio envolvendo o Banco Master reacendeu a atenção sobre os mecanismos de supervisão e a robustez do sistema financeiro nacional. Com um volume de cerca de R$ 50 bilhões emitidos em CDBs lastreados no Fundo Garantidor de Créditos (FGC), a possível operação de compra pelo BRB por R$ 2 bilhões – contrastando com a proposta simbólica de R$ 1 feita pelo BTG – trouxe à tona questionamentos sobre o uso do FGC como instrumento de salvaguarda em operações de risco e as consequências potenciais para o sistema como um todo.
Essa deterioração fiscal, combinada ao aumento da dívida pública e à fragilidade política, começa a impactar os mercados de forma mais evidente. Os títulos públicos de longa duração têm apresentado quedas expressivas. O Tesouro IPCA+ 2045, por exemplo, acumula perda de -8,95% nos últimos 12 meses. Para o investidor que observa essa marcação negativa no extrato, o dilema é claro: carregar ou vender? É fundamental compreender que, salvo em situações de necessidade de liquidez, vender nesse momento significa realizar uma perda que pode ser revertida no longo prazo, desde que o investidor mantenha o título até o vencimento.
Em paralelo, ativos de crédito privado estruturado, como os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs), têm ganhado protagonismo. Com lastros em recebíveis empresariais e estruturação adequada de garantias e subordinadas, esses fundos oferecem retornos atrativos e menor volatilidade de mercado. Em um ambiente de instabilidade política e tributária, ativos que se descolam da marcação a mercado diária e proporcionam previsibilidade de fluxo ganham valor na construção de carteiras.
O comportamento do consumidor e do setor produtivo também tem refletido o aumento da incerteza. A elevação do teto dos juros do consignado do INSS para 1,85% ao mês e o crescimento da inadimplência entre pequenas empresas sugerem que o ambiente de crédito tende a permanecer restritivo. Apesar da manutenção da Selic em patamares elevados, a capacidade de estímulo da política monetária está limitada pela piora das expectativas fiscais e pelo aumento do risco-país.
Por fim, vale destacar a crescente politização de decisões econômicas. O ministro Haddad atribuiu recentemente a queda de popularidade do presidente Lula a “problemas globais”, mas o mercado reage, acima de tudo, a sinais concretos de responsabilidade fiscal, segurança jurídica e previsibilidade institucional – todos pontos que seguem pressionados.
Cenário Internacional
O mês de março consolidou uma dinâmica global marcada por volatilidade geopolítica, resiliência econômica e avanços tecnológicos com potenciais implicações para os mercados. Em um ambiente ainda condicionado por tensões diplomáticas e instabilidades regionais, os principais vetores macroeconômicos mostraram relativa robustez — ainda que com importantes sinais de reavaliação dos riscos por parte dos investidores institucionais.
Nos Estados Unidos, o ciclo de política monetária permanece ancorado na perspectiva de juros elevados por um período mais prolongado (“higher for longer”), reforçado por dados ainda sólidos do mercado de trabalho e uma inflação que, embora desacelerando, segue pressionada por fatores estruturais como o custo dos serviços. A curva dos Treasuries reflete esse ambiente, com a Treasury de 10 anos se mantendo na faixa dos 4,30%, após ter tocado máximas acima de 4,80% no início do ano. No entanto, começa a se consolidar entre os investidores a expectativa de que, mesmo sem cortes no curto prazo, o aperto monetário pode ter alcançado seu pico.
Esse cenário de política monetária norte-americana também se projeta sobre os mercados emergentes. Apesar da ausência de fluxos relevantes para a classe de ativos nos últimos trimestres, os bonds soberanos e corporativos da América Latina têm mostrado um perfil de risco-retorno bastante atrativo. Destacam-se Colômbia e México, ambos investment grade, com spreads historicamente interessantes frente aos títulos brasileiros, mesmo mantendo maior qualidade de crédito.
Particularmente, a Colômbia chama a atenção pelo perfil fiscal desafiador, mas com boas perspectivas políticas em função das eleições presidenciais em 2026, o que já vem sendo precificado positivamente pelo mercado. Já a Argentina, protagonista de um dos mais expressivos turnarounds econômicos recentes, experimenta forte valorização de seus ativos de crédito, com a política fiscal de Milei promovendo superávits inéditos e controle inflacionário em tempo recorde. A depender da negociação com o FMI e do avanço em reformas institucionais, o país pode, em breve, recuperar o acesso pleno aos mercados internacionais de capitais.
Na Europa, o alívio inflacionário reforçou o movimento de recuperação das bolsas. Os dados divulgados pela zona do euro indicaram uma desaceleração nos índices de preços, alimentando a tese de que o BCE poderá iniciar um ciclo de cortes a partir do segundo semestre. Esse cenário alimenta uma rotação global de portfólios que, inclusive, contribuiu para o rali de ações observado em países emergentes como o Brasil, cuja alta no mês também refletiu fatores externos.
No campo geopolítico, março trouxe uma escalada nas tensões. No Oriente Médio, Israel voltou a atacar alvos no sul de Beirute, elevando os riscos de uma deterioração do já frágil cessar-fogo com o Hezbollah. Simultaneamente, a China demonstrou disposição para atuar de forma mais ativa como mediadora no conflito entre Rússia e Ucrânia, ao mesmo tempo em que defende uma normalização nas relações diplomáticas entre Moscou e Washington. O chanceler Wang Yi tem reiterado que potências globais precisam assumir papel estabilizador em meio à crescente imprevisibilidade internacional.
A disputa comercial sino-americana voltou à cena com a promessa de medidas retaliatórias por parte da China, Japão e Coreia do Sul frente às tarifas anunciadas pelos EUA. A sinalização de uma resposta conjunta das potências asiáticas eleva o risco de um novo capítulo de guerra comercial, com impactos potenciais sobre cadeias produtivas e fluxos globais de bens, especialmente em setores como semicondutores e energia.
Outro ponto de atenção emergente é a segurança das comunicações globais. Relatórios recentes indicam que a China teria desenvolvido tecnologia capaz de interceptar ou danificar cabos submarinos a profundidades de até 4 mil metros — elemento crítico para a infraestrutura digital global. O tema reforça o debate sobre cibersegurança, soberania digital e a crescente interdependência tecnológica.
Por fim, destacam-se os avanços em inteligência artificial. Apple e Microsoft anunciaram novos recursos baseados em IA embarcada, com funcionalidades que visam capturar produtividade e personalização — elementos cada vez mais estratégicos para a monetização futura dessas plataformas. Ao mesmo tempo, a discussão sobre impactos da IA no mercado de trabalho se intensifica, com Bill Gates apontando que profissões criativas e ligadas à ciência devem manter resiliência diante da automação.
Principais Estratégias
1. Diversificação de Portfólios
Com os mercados globais passando por uma rotação importante — evidenciada pela recuperação de bolsas na Europa e o rali de ações em países emergentes como o Brasil — a diversificação geográfica e setorial se consolida como pilar fundamental. A combinação de estímulos na China, expectativa de estabilidade monetária nos EUA e tensões geopolíticas requer um portfólio que equilibre proteção e captura de oportunidades regionais.
2. Foco em Exportação e Commodities
O setor exportador no Brasil continua favorecido pela demanda externa e pela competitividade cambial. No entanto, o foco não deve estar apenas nas commodities tradicionais, mas também nos desdobramentos estratégicos do comércio global. A China, por exemplo, segue como um comprador relevante de petróleo, soja e metais, mas sua transição para um modelo econômico mais voltado ao consumo interno pode alterar fluxos comerciais no longo prazo.
Além disso, a corrida global por terras raras – com os EUA investindo na exploração desses recursos na Ucrânia – pode gerar impactos indiretos no Brasil, que também possui reservas desses minerais críticos. Monitorar a evolução desses mercados será fundamental para capturar oportunidades e mitigar riscos. Além disso, o redesenho das cadeias de suprimento estratégicas — como a corrida por terras raras e minerais críticos — pode reposicionar o Brasil no mapa da segurança mineral global. O país, com reservas relevantes, precisa observar de perto a evolução de investimentos externos e políticas de incentivo à mineração sustentável.
3. Renda Fixa: Pré-fixados, Pós-fixados e Inflação
Diante do fechamento expressivo da curva de juros em março, principalmente no trecho intermediário, os ganhos adicionais em pré-fixados exigem maior seletividade e gestão ativa, considerando o novo equilíbrio entre prêmio e risco.
4. Acompanhamento das Políticas Monetárias
Nos EUA, o Federal Reserve optou pela manutenção da taxa básica, mas o mercado já embute a expectativa de cortes graduais a partir do segundo semestre. Essa postura pode favorecer ativos de risco em mercados emergentes, ao mesmo tempo em que pressiona moedas locais com fundamentos frágeis.
5. Proteção Cambial e Reservas
A desvalorização controlada do yuan e as intervenções do governo chinês elevam a necessidade de proteção em moedas fortes. O dólar segue sendo a âncora global, mas movimentos coordenados entre China, Japão e Coreia do Sul contra tarifas norte-americanas podem afetar fluxos cambiais e gerar volatilidade regional.
6. Tecnologias e Setores de Crescimento
Com o lançamento da Apple Intelligence em português e a abertura dos sistemas da Microsoft para AMD e Intel, o ecossistema de IA avança rapidamente para uma nova fase. Essas movimentações, além de intensificarem a disputa entre as ‘Magnificent 7’, abrem espaço para disrupções que reconfiguram cadeias de valor em escala global.
7. Consolidação de Ouro como Ativo de Proteção
O ouro segue desempenhando seu papel como ativo de proteção, especialmente em tempos de incerteza geopolítica e monetária. O movimento da China para ampliar suas reservas de ouro reflete a busca de diversos países por diversificação e menor dependência do dólar. Com os bancos centrais comprando ouro de forma consistente e os riscos inflacionários ainda presentes, o metal precioso continua sendo uma alternativa robusta para proteção patrimonial e hedge contra volatilidade cambial.
8. Monitoramento Geopolítico e Impactos no Petróleo
O Oriente Médio voltou ao radar com o ataque israelense ao sul de Beirute e o risco de escalada com o Hezbollah. Simultaneamente, cresce a atenção sobre a infraestrutura crítica global, com alertas sobre a vulnerabilidade dos cabos submarinos — inclusive diante do desenvolvimento de ferramentas chinesas com capacidade de interceptação a grandes profundidades. A estabilidade energética e a segurança da informação são agora elementos entrelaçados no cenário de risco.
